Jovens foram considerados ‘falsos turistas’ por autoridades migratórias argentinas ao tentarem estudar no país. Polêmica envolve interpretação de acordo bilateral entre Brasil e Argentina.
Estudantes brasileiros têm enfrentado desafios em diversos aspectos, inclusive em questões migratórias em países estrangeiros. Um exemplo disso é o caso de Maria, que relatou ter sido tratada de forma humilhante por autoridades argentinas em um aeroporto em janeiro.
Além dos estudantes brasileiros, também é importante considerar a situação dos estudantes estrangeiros que enfrentam dificuldades ao lidar com burocracias em países diferentes de suas origens. A experiência de Maria serve de alerta para que todos os brasileiros estejam cientes de seus direitos e busquem ajuda em casos semelhantes.
Estudantes Brasileiros Enfrentam Barreiras na Argentina
Maria relata que não mentiu ao setor de imigração quando afirmou que viajava para estudar e que não tinha passagem de volta, visto que seu retorno dependeria do calendário acadêmico. Ela apresentou toda a documentação da instituição de ensino e explicou que pretendia solicitar residência no país estrangeiro uma vez em Buenos Aires.
✈️Mais de 30 estudantes brasileiros — atraídos pela ausência do vestibular nas faculdades argentinas e pelas mensalidades baixas — também foram barrados na Argentina nos dois primeiros meses de 2024, mesmo seguindo os protocolos tradicionalmente aceitos desde 2009:
- chegar com apenas o RG como turista;
- e solicitar o visto de estudante ou residência permanente já em solo argentino (leia mais abaixo).
❌No entanto, desde o início deste ano, as autoridades migratórias passaram a exigir que os estudantes chegassem com toda a documentação pronta em Buenos Aires — do contrário, poderiam ser vetados.
Especialistas apontam para uma resistência maior por parte do governo argentino na recepção de estrangeiros, enquanto o governo nega qualquer mudança.
‘O agente de imigração pediu meus documentos, e eu providenciei tudo.
Esperei horas até ele dizer que não preenchia os requisitos para entrar na Argentina’, relata Maria.
‘Perguntei quais eram os requisitos, mas ele não respondeu.
Tentei explicar sobre o acordo entre Brasil e Argentina, mas ele decidiu que não mudaria de ideia.’
Pouco tempo depois, Maria foi enviada de volta a São Paulo.
O Acordo entre Brasil e Argentina
Maria menciona o acordo bilateral entre os dois países, em vigor desde 2009, que permite que brasileiros e argentinos convertam vistos temporários em permanentes, desde que apresentem a documentação correta e paguem as taxas migratórias.
Essa medida facilita o processo em comparação aos demais membros do Mercosul, que só podem obter residência permanente após dois anos com visto provisório no Brasil ou na Argentina.
‘Brasileiros costumavam entrar na Argentina como turistas e solicitar residência posteriormente. Tinham 90 dias para isso.
Após completar o processo, adquiriam os mesmos direitos e deveres que os argentinos’, explica Liziana Andrea Amaran, advogada em ambos países.
‘É uma forma de fortalecer os laços diplomáticos.’, argumenta a advogada.
Por que Alunos Foram Barrados?
Arthur Murta, professor de relações internacionais, aponta uma ‘brecha’ no acordo.
‘O texto menciona o pedido de residência na Argentina, porém não especifica a admissão no país [se a pessoa entra com visto de turista ou não]. Milei usou isso para barrar os estudantes estrangeiros, exigindo passagem de volta ou visto de estudante’, declara.
Murta ressalta que nenhum ato ilegal foi cometido pelo presidente argentino, mas destaca que a mudança repentina nos critérios de admissão resultou numa ‘criminalização da migração’ para os brasileiros barrados, visto que não foram informados sobre as alterações.
‘A ação de Milei segue a linha da extrema-direita internacional.
Brazil e Argentina sempre mantiveram uma relação diplomática sólida, mesmo em momentos políticos divergentes.’
Outros especialistas também criticam a medida autoritária adotada sem prévio aviso, afirmando que causou danos irreparáveis aos estudantes brasileiros.
‘Mudar o procedimento foi uma ação unilateral e autoritária para reduzir o fluxo de estudantes estrangeiros, fora dos padrões diplomáticos, sem consultar o Ministério das Relações Exteriores’, afirma Natalia Fingerman, professora de relações internacionais.
Em resposta, o Itamaraty destaca que o acordo bilateral está em vigor, mas reconhece uma aplicação mais rigorosa por parte das autoridades migratórias argentinas. O governo argentino também nega qualquer mudança na legislação, embora a fiscalização migratória tenha sido mais intensificada nos últimos meses.
‘Em janeiro e fevereiro, 30 brasileiros foram barrados, representando menos de 0,5% do total de brasileiros que ingressaram neste período.
Os números são similares aos de 2023′, explica um representante do governo argentino ao g1.
‘Para entrar como turista, é necessário atender aos requisitos, incluindo passagem de volta. Não é possível ser meio turista, meio estudante. Sempre foi assim.’ A advogada Amaran, que auxiliou voluntariamente alguns dos alunos impedidos de entrar, confronta a versão oficial do governo argentino.
‘Vamos supor que eles estejam corretos e sempre tenham exigido visto de estudante antes da viagem. Até então, ignoraram essa exigência desde 2009?
Não era necessário solicitar o visto no aeroporto antes’, questiona.
‘Por que não emitiram um comunicado para evitar essas situações? O que me entristece é que sonhos e vidas foram prejudicados.
Clientes meus não poderão retornar. Era a oportunidade deles. Não têm recursos para comprar outra passagem.’
‘Tive que Gastar Todo o Meu Dinheiro’
Maria, citada anteriormente, revela estar desolada.
‘Já chorei muito e estou ansiosa. Meus planos foram adiados por pelo menos um semestre.
Saí da universidade no Brasil para ir até lá, não estou trabalhando mais, não tenho uma renda extra. Todo o meu planejamento, A, B, C e D, envolviam estudar na Argentina. Gastei todas as minhas economias na preparação.
Mas não vou desistir’, afirma determinada. João, outro estudante barrado, compartilha uma história semelhante: disse às autoridades que iria estudar medicina e que, portanto, não possuía passagem de volta. ‘Não me permitiram argumentar.
Fui escoltado de volta e perdi R$ 6 mil gastos com a hospedagem.
Mais tarde, no Brasil, decidi tentar novamente, mas por terra desta vez. Fui de ônibus e passei mais de 27 horas viajando. Na fronteira, não me pediram visto’, lembra João.
‘Consegui chegar à Argentina e à faculdade, mas as coisas estão muito difíceis.
Estou sem recursos, com uma alimentação limitada, apenas pão, arroz e feijão. O aluguel é caro. Não sei se terei condições psicológicas para continuar.’
Por que Brasileiros Escolhem Estudar na Argentina?
Segundo o Itamaraty, aproximadamente 20 mil brasileiros estudam na Argentina.
Eles optam por esse destino devido a:
- A inexistência de vestibular nas universidades locais. Basta apresentar a documentação para se matricular em qualquer curso.
A seleção acontece durante a graduação, após o Ciclo Básico Comum (CBC), composto por disciplinas gerais para todos os alunos.
Aqueles que alcançam a pontuação mínima nas provas internas podem continuar na instituição (há oportunidades de recuperação para quem não passa de primeira).
‘Temos disciplinas básicas no CBC, como biologia, química, matemática, história e lógica. Muitos reclamam da dificuldade, mas prefiro em comparação ao vestibular brasileiro’, afirma Beatriz Kraus, de 27 anos, estudante de medicina na Universidade de Buenos Aires (UBA).
- Nas instituições privadas, as mensalidades são mais acessíveis.
‘Procurei faculdades privadas de medicina no Brasil, com a minha nota do Enem, mas mesmo com desconto, a mais barata custava R$ 6 mil.
Na Argentina, o valor varia de R$ 1 mil a R$ 2 mil’, conta João.
Procedimentos para Estudar na Argentina
O Itamaraty recomenda que os brasileiros obtenham o visto de estudante previamente à viagem.
Para isso, é necessário:
- Reunir a documentação requerida pela embaixada ou consulado argentino (como comprovante de renda, formulário de solicitação, antecedentes criminais etc.);
- Agendar uma visita presencial ao consulado do estado de residência do solicitante (mediante disponibilidade de agenda);
- Aguardar cerca de 7 dias para a emissão do visto, se tudo estiver em ordem.
O visto de estudante é gratuito para cidadãos do Mercosul, mas não permite trabalho na Argentina.
Para os interessados em emprego no país vizinho, é aconselhável solicitar o visto de residência, cujo custo é de aproximadamente 550 dólares (cerca de R$ 2.700). Os consulados ressaltam que, ‘anteriormente’, ‘era possível entrar como turista e depois regularizar a situação. Contudo, agora é necessário o visto’.
Lucas, outro aluno barrado, não conseguiu obter o visto de estudante devido à baixa renda familiar, o que o impediria de se sustentar na Argentina sem emprego. Assim, passou a pleitear residência no país.
‘Passei por todos os procedimentos, paguei as taxas e agora está tudo certo.
Embarcarei em março.
Estou um pouco apreensivo, mas acredito que não haverá problemas desta vez.’* Os nomes reais dos entrevistados foram alterados a pedido dos mesmos.
‘
Fonte: © G1 – Globo Mundo
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